quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"UM CANTINHO, UM VIOLÃO, ESTE AMOR, UMA CANÇÃO"


 CORCOVADO

"um cantinho, um violão
 este amor, uma canção
 prá fazer feliz a quem se ama
 muita calma prá pensar
 e ter tempo para amar..."

           Tom Jobim







      Lembro-me desse tempo musicado pela sensibilidade do maestro-compositor Tom Jobim. Esse tempo em que as pessoas tinham naturalmente tempo para contemplar e pela arte sublime da contemplação trabalhar o amor dentro de si, nos estreitos da alma, e saber a amar o amor pelo qual cobrimos de palavras doces e flores, de sinceridade e dedicação, de cumplicidade e responsabilidade. Era um tempo muito especial porque o amor era uma busca honesta e com uma finalidade que era a da mais altruísticas: casar-se na Igreja, adquirir uma casinha e formar uma família, esta muito bem regada pelo carinho natural e o afeto espontâneo. Vi, senti, observei e analisei muito bem esse tempo quando menino em minha cidade pequenininha. Era um tempo delicioso em que as pessoas saudavam as outras com "bom dia!", "boa noite!", "boa tarde!", "com licença!" e "muito obrigado!". Poderíamos afirmar que era um tempo, esse, em que as pessoas praticavam uma terapia cotidiana natural e inconscientemente. E isso era muito salutar para a alma das pessoas. Naquele tempo, porém, eu já observava, com meticulosidade no olhar, que esse tempo já começava moralmente a se diferenciar no meio da sociedade em que vivia: frequentava o cotidiano das pessoas do campo e, também, o mundo das pessoas citadinas. Na minha cidadezinha ela começava a adquirir o ar sofisticado da civilização com o ingresso de uma série de benefícios trazidos pela expansão da tecnologia: luz elétrica e, consequentemente, televisão, telefone e o surgimento de pequenas lojas comerciais que começaram a explorar a venda de mercadorias importantes e caras, principalmente roupas finas e da moda, isso sem falar dos pequenos restaurantes, pizzarias e casas de jogos divulgando a possibilidade das pessoas ficarem ricas fazendo suas apostas. Não sei porque diabo ou desgraça nasci com um "olhar cirúrgico", ou seja, capaz de observar, sentir e analisar criteriosamente as coisas até os últimos limites da especulação crítica, e isso de uma maneira que me deixava perplexo e fazer me sentir obviamente diferente das pessoas em geral, embora convivesse com elas sem lhes passar aquilo que via e testemunhava como se prospectando o amanhã. Dei-me, então, a perceber as transformações de condutas, de caráter e de senso nas pessoas, especialmente naquelas que começaram a se entusiasmar por todo aquele encanto que vinha para cobrir de embelezamento aquela cidadezinha, tão cheia de paz, calma e respeito. Essa degradação do caráter deu-se, obviamente, primeiro na cidade, e, bem posteriormente, no campo, justamente com a chegada da luz elétrica nesses lares campestres e da televisão, o que acabou fazendo com que ela começasse a modificar, também, a conduta tão bonita e simples do homem do campo, além de influenciá-lo a estar constante e frequentemente na cidade, dando-se por encantado e bestializado com todo aquele progresso que vinha se expandindo pelos quatro cantos dela. Mas esse segundo estágio da degradação do caráter humano em minha terra levou muitos anos, talvez uma década. Antes desse período a podridão do caráter deu-se, primeiro, na cidade, e comecei a pressentir o caos moral que então prenunciava: casamentos se desfazendo (aqueles que foram realizados à luz da fantasia do progresso), filhos sofrendo pela separação, alcoolismo e vício em cigarro pelos jovens, depois muitos se perdendo no uso de drogas, violência, etc, etc, etc. Naquela época, ou seja, antes do surgimento do "novo tempo", com uma parafernalha de objetos e coisas para vender e se comprar, lembro-me que as famílias eram cercadas de uma paz conjugal bonita, onde os pais eram respeitados pelos filhos e aqueles cobriam seus pimpolhos de beijo e abraços, além de se preocuparem com o futuro deles, mas um futuro feito de bom exemplo, boas atitudes e acima de tudo dentro de uma ética e de uma moral rígida, talvez para impedir que eles fossem infelizes na alma, pois toda raíz e fonte de infelicidade verdadeira decorrem da degradação do caráter, já que é o caráter ilibado o único tesouro e a única riqueza verdadeiras que um homem possa ter, embora tal premissa não seja mais válida para os tempos atuais, pois parece que a riqueza e a fama tornaram-se coisas mais importantes que a dignidade ou o caráter humano. Mas, afinal, em que momento percebi que aquela pequena sociedade de uma pequena cidade estava descendo à lama, embora rindo? Foi justamente quando percebi que a figura do pai e da mãe foram substituídos pela presença da televisão e o endeusamento que a mídia formava em torno de "artistas" e "pessoas famosas". Alí foi que notei a "morte do pai" e a "morte da mãe" e o prenúncio da decadência ou da desgraça da família moderna, isso sem contar os horrores indecentes, imorais e criminosos que o tempo futuro viria a revelar. Essa mesma situação notei, posteriormente, na vida comum e calma das gerações novas que nasceram no campo ou que ainda vivem lá. Antigamente, independentemente de se estar morando ou não num luxuoso apartamento do Corcovado, as pessoas sempre tinham um "cantinho e uma saudável distração para o amor que se tinha". Óbvio que ainda existe esse cantinho, sim, mas devemos admitir que esse cantinho está, como tantas e todas as outras coisas bonitas do passado, desaparecendo, e aí podemos acusar a presença do falso e desumano progresso: falso porque nosso progresso é material e não moral - aliás, se fosse também um progresso moral as indústrias e o comércio modernos não produziriam e não venderiam tanto, pois que todo consumo obcessivo e forma de vida hedonista está diretamente relacionado na falta dos valores verdadeiros da alma. Desumano porque temos um progresso injusto e mal redistribuído entre as pessoas em geral, já que os benefícios dele depende e está diretamente vinculado às condições financeiras de cada qual e, financeiramente falando, podemos dizer que nosso sistema econômico, nacional ou internacional, é de natureza ou de índole Holocáustica, Apocaliptica e Barbarea. O mundo - isso aqui é mera utopia, sonho poético, delírio romântico, bem que poderia ser para a Humanidade essa espécie de "cantinho de amor" como a alma do saudoso Tom musicou para nós. Mas, que pena, talvez nem mesmo muitas das residências de muitos políticos e importantes autoridades, e até mesmo de grandes líderes ou Estadistas mundiais não seja esse cantinho gostoso e saudável de amor, e, porventura sendo assim, podemos dizer que o mundo caminha para uma grande merda, uma profunda desordem, uma espécie de decadência ética e aberrações psíquicas que colocará toda a terra como objeto de múltiplas e ameaças inesperadas. Se, porventura, os grandes líderes políticos ou ditos Estadistas fossem homens dotados de uma alma esteticamente eclética estaríamos a salvos dos supostos horrores, mas, infelizmente, eles são apenas e somente políticos ("p" mínusculo), que fizeram apenas e somente uma Faculdade, geralmente a de Direito, fizeram uma pós-graduação ou algum mestrado na área e foram enfentar o mercado, mas que, por uma razão ou por outra, aderiram à política (política com "p" minúsculo) e... o resto a gente sabe: chegaram ao poder. Apontem-me um político qualquer, de qualquer país do mundo, que tenha um espírito renascentisticamente ilustrado, capaz de, por exemplo, saber fazer poesia, crônica, contos, roteiros dramatúrgicos, cinematográficos, que saiba pintar, tocar algum instrumento, compor alguma coisa e que tenha, em suas mansões, uma suposta biblioteca humanística, vasta e diversificada. Aqui está uma outra grande desgraça e que não nos atinamos: o mundo parece ser politicamente mal geridos e a Humanidade mal representada. Jobim, obrigado pelo seu "cantinho". Está, saudoso MAESTRO, numa dimensão maior, tudo muito bem explicado.

   Guina

Um comentário:

  1. Pois concordo com tudo o que escreveste e quanto aos políticos são apenas as marionetes visíveis e controladas, por outros bem piores, os do mundo da alta finança... nunca lhes vimos a cara e que, já mais do que cheios do que o dinheiro pode comprar, excitam-se com o Poder, de poder controlar pessoas, políticos, países,... ;)

    Bjos

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