quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O FANTASMA DA VOZ




- “Queria brincar de bicho contigo no mato” – dizia uma voz estranha, forte, pelo telefone.
            Essa história de “bicho” começou quando uma empresa de telefonia instalou naquela cidadezinha os serviços de telefone fixo residencial: celular era coisa do outro mundo.
            A queixa de Marlene sobre tais telefonemas passou a ser motivo de riso e chacotas entre ela e sua vizinha, Anália, sempre quando uma ia à casa da outra.
            - A cidade virou uma onde de trotes descarados, vizinha – Dizia Anália para sua vizinha.
            Mesmo Anália levando as coisas na brincadeira, o fato é que a situação ganhou um vulto de seriedade na vida de Marlene, que pensou até em fazer uma viagem para a cidade grande e comprar um “identificador de chamada”, como lhe orientou, certa vez, uma de suas amigas.
            Sempre que pensava em fazer isso, não sabia o que ia dizer para Joaldo, com quem tem uma vida a dois há mais de cinco anos. Desconfiado de tudo e ciumento como, era nunca e nada iria acreditar que não fosse algum tipo que ela mesma deu “bola” e o telefone.
            Como não tinha coragem para fazer a tal viagem e comprar o tal aparelho, acabou lhe passando pela cabeça a idéia de gravar aquela voz desconhecida e ver se poderia ser identificada à medida que fosse ouvindo.
            - Menina – dizia ela, por telefone, a sua amiga. – É voz de homem, uma voz forte, rouca e com certeza é alguém que eu nunca vi na minha vida.
            A estranha voz depois de gravada passou a ser cuidadosamente analisada em momentos e horários diferentes, principalmente quando não tinha ninguém em casa. Gravou várias vezes aquela voz e que dizia apenas “Queria brincar de bicho contigo no mato” e, depois, vinha o silêncio.
            As táticas de Marlene para saber quem era foi, todas às vezes, inútil: A voz ouvia e ouvia Marlene, mas nada falava. Suas queixas, por outro lado, à vizinha, desapareceram: nunca mais quis tratar disso.
            Um dia Marlene acordou esquisita e nervosa depois que levou boa parte do dia anterior tentando querer, a todo custo, identificar aquela voz, e depois passou a querer imaginar quem era essa pessoa, como era, porque se procedia dessa forma, etc.
            O telefone tocou.
            - “Queria brincar de bicho contigo no mato” – era a voz, mais forte e mais rouca.
            As pernas de Marlene tremiam.
            - Olha, por favor, quem é?
            O homem não se identificou. Marlene insistiu. Conversaram mais de meia hora e, depois de certa insistência, concordou de conhecer o tal homem da voz estranha.
            - Vou desvendar esse mistério – disse a si mesma depois que desligou o telefone. E, no dia combinado, dirigiu-se ao local acertado: ele a aguardava na casa de D. Vaná, uma senhora muito conhecida de Marlene.
            - Não lhe conheço – disse ela, rindo, quando chegou à casa da velha.
            Os dois conversavam na sala, enquanto D. Vaná foi fazer um café para eles. Tomaram o café, despediram-se da velha e acabou aceitando a carona dele, num carro velho, até uma ruazinha que ficava próxima a casa dela. Quando parou o carro e foram se despedir, eles se olharam, mutuamente, dentro dos olhos do outro.
            - Queria brincar de bicho contigo no mato – disse Marlene, toda dengosa, agora reconhecendo aquele homem, fazendo menção, com os lábios, a uma estrada de puro mato que dava para o outro lado da cidade, enquanto deixava suas pernas entreabertas sinalizando todas as possibilidades de um amor forte e intenso.
           
            Guina

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