quinta-feira, 30 de setembro de 2010

FAVELAMENTAÇÃO



e dos escombros da miséria e da dor
espalhou-se por todo canto da cidade
o olho louco da cega morte infame
a espreitar quem dorme, quem sonha

e que a todo instante e a toda hora
saltam das ruas e ganham os jornais
onde o sange da barbarea violência
põe o Estado como seu outro refém 

este que aos poucos também revela-se
tão criminoso quanto a fome lá fora
deixando o povo a mercê das horas

sobre cujos ponteiros da economia
desce a lâmina do Capital atroz
sobre milhões de vidas já mortas.

Guina

PAZ!


Do monumento ao símbolo
Da santa cruz à bandeira
Do Hino às altas patentes
Tudo isso é apenas ilusão

Do soltado aos canhões
Do Estadista aos aviões
Dos mísseis às bombas
Tudo isso é desperdício!

Da bandeira aos desfiles
Do discurso ao aplauso
Tudo isso é um vazio

Do cartaz à propaganda
Nada disso tem valor
O homem quer é Amor.

Guina

NUDEZ


























o verbo hoje, meu amor, é "vestido"
- tu vestes e eu, com amor, despido
mas como é verbo gostoso e bonito
mesmo nua, tua nudez serás minha

o verbo hoje, meu amor, é "blusa"
- tu a põe e eu de pronto a retiro...
- quero teus seios nus, perdidos...
e, nus, minha alma cairás assim

o verbo hoje, meu amor, é nosso:
- despe-se eu, despidas ficarás tu
- despidos, grita eu e grita tu, nós!

o verbo hoje, meu amor, é "alma"
- alma nua, crua, solta, vadia...
almas caídas: a minha sobre a tua.

Guina

LUGAREJO


















Eu amo tanto os lugares pequeninos
- esses recolhidos da pressa do mundo
cujas janelas e portas vivem abertas
em cujas casas o riso é largo e aberto

Eu amo tanto os lugares pequeninos
- esses pequenos mundos escondidos
do mundo grande como se protegido
levando a vida entre prosa e silêncio

Eu amo tanto os lugares pequeninos
- esses floridos com suas casas simples
- esses onde o amor é calmo e quente

Eu amo tanto os lugares pequeninos
que tem nas janelas mulheres sorrindo
- mulheres como flor: lindas e simples.

Guina

LISBOA (para Isa GT)



Lisboa, como és boa
Lis - essa luz de amor
Boa - essa linda flor
Lisboa do bom amor

E como és puro amor
Beijo-te duplamente:
Um beijo a tua Lis
Outro para tua Boa

Uma dentro da outra
É puro sonho e canto
Esse mar de encanto

Que, sobre tua luz
brilha uma "Lis" boa
Que, de"Boa", ama.

Guina

"UM CANTINHO, UM VIOLÃO, ESTE AMOR, UMA CANÇÃO"


 CORCOVADO

"um cantinho, um violão
 este amor, uma canção
 prá fazer feliz a quem se ama
 muita calma prá pensar
 e ter tempo para amar..."

           Tom Jobim







      Lembro-me desse tempo musicado pela sensibilidade do maestro-compositor Tom Jobim. Esse tempo em que as pessoas tinham naturalmente tempo para contemplar e pela arte sublime da contemplação trabalhar o amor dentro de si, nos estreitos da alma, e saber a amar o amor pelo qual cobrimos de palavras doces e flores, de sinceridade e dedicação, de cumplicidade e responsabilidade. Era um tempo muito especial porque o amor era uma busca honesta e com uma finalidade que era a da mais altruísticas: casar-se na Igreja, adquirir uma casinha e formar uma família, esta muito bem regada pelo carinho natural e o afeto espontâneo. Vi, senti, observei e analisei muito bem esse tempo quando menino em minha cidade pequenininha. Era um tempo delicioso em que as pessoas saudavam as outras com "bom dia!", "boa noite!", "boa tarde!", "com licença!" e "muito obrigado!". Poderíamos afirmar que era um tempo, esse, em que as pessoas praticavam uma terapia cotidiana natural e inconscientemente. E isso era muito salutar para a alma das pessoas. Naquele tempo, porém, eu já observava, com meticulosidade no olhar, que esse tempo já começava moralmente a se diferenciar no meio da sociedade em que vivia: frequentava o cotidiano das pessoas do campo e, também, o mundo das pessoas citadinas. Na minha cidadezinha ela começava a adquirir o ar sofisticado da civilização com o ingresso de uma série de benefícios trazidos pela expansão da tecnologia: luz elétrica e, consequentemente, televisão, telefone e o surgimento de pequenas lojas comerciais que começaram a explorar a venda de mercadorias importantes e caras, principalmente roupas finas e da moda, isso sem falar dos pequenos restaurantes, pizzarias e casas de jogos divulgando a possibilidade das pessoas ficarem ricas fazendo suas apostas. Não sei porque diabo ou desgraça nasci com um "olhar cirúrgico", ou seja, capaz de observar, sentir e analisar criteriosamente as coisas até os últimos limites da especulação crítica, e isso de uma maneira que me deixava perplexo e fazer me sentir obviamente diferente das pessoas em geral, embora convivesse com elas sem lhes passar aquilo que via e testemunhava como se prospectando o amanhã. Dei-me, então, a perceber as transformações de condutas, de caráter e de senso nas pessoas, especialmente naquelas que começaram a se entusiasmar por todo aquele encanto que vinha para cobrir de embelezamento aquela cidadezinha, tão cheia de paz, calma e respeito. Essa degradação do caráter deu-se, obviamente, primeiro na cidade, e, bem posteriormente, no campo, justamente com a chegada da luz elétrica nesses lares campestres e da televisão, o que acabou fazendo com que ela começasse a modificar, também, a conduta tão bonita e simples do homem do campo, além de influenciá-lo a estar constante e frequentemente na cidade, dando-se por encantado e bestializado com todo aquele progresso que vinha se expandindo pelos quatro cantos dela. Mas esse segundo estágio da degradação do caráter humano em minha terra levou muitos anos, talvez uma década. Antes desse período a podridão do caráter deu-se, primeiro, na cidade, e comecei a pressentir o caos moral que então prenunciava: casamentos se desfazendo (aqueles que foram realizados à luz da fantasia do progresso), filhos sofrendo pela separação, alcoolismo e vício em cigarro pelos jovens, depois muitos se perdendo no uso de drogas, violência, etc, etc, etc. Naquela época, ou seja, antes do surgimento do "novo tempo", com uma parafernalha de objetos e coisas para vender e se comprar, lembro-me que as famílias eram cercadas de uma paz conjugal bonita, onde os pais eram respeitados pelos filhos e aqueles cobriam seus pimpolhos de beijo e abraços, além de se preocuparem com o futuro deles, mas um futuro feito de bom exemplo, boas atitudes e acima de tudo dentro de uma ética e de uma moral rígida, talvez para impedir que eles fossem infelizes na alma, pois toda raíz e fonte de infelicidade verdadeira decorrem da degradação do caráter, já que é o caráter ilibado o único tesouro e a única riqueza verdadeiras que um homem possa ter, embora tal premissa não seja mais válida para os tempos atuais, pois parece que a riqueza e a fama tornaram-se coisas mais importantes que a dignidade ou o caráter humano. Mas, afinal, em que momento percebi que aquela pequena sociedade de uma pequena cidade estava descendo à lama, embora rindo? Foi justamente quando percebi que a figura do pai e da mãe foram substituídos pela presença da televisão e o endeusamento que a mídia formava em torno de "artistas" e "pessoas famosas". Alí foi que notei a "morte do pai" e a "morte da mãe" e o prenúncio da decadência ou da desgraça da família moderna, isso sem contar os horrores indecentes, imorais e criminosos que o tempo futuro viria a revelar. Essa mesma situação notei, posteriormente, na vida comum e calma das gerações novas que nasceram no campo ou que ainda vivem lá. Antigamente, independentemente de se estar morando ou não num luxuoso apartamento do Corcovado, as pessoas sempre tinham um "cantinho e uma saudável distração para o amor que se tinha". Óbvio que ainda existe esse cantinho, sim, mas devemos admitir que esse cantinho está, como tantas e todas as outras coisas bonitas do passado, desaparecendo, e aí podemos acusar a presença do falso e desumano progresso: falso porque nosso progresso é material e não moral - aliás, se fosse também um progresso moral as indústrias e o comércio modernos não produziriam e não venderiam tanto, pois que todo consumo obcessivo e forma de vida hedonista está diretamente relacionado na falta dos valores verdadeiros da alma. Desumano porque temos um progresso injusto e mal redistribuído entre as pessoas em geral, já que os benefícios dele depende e está diretamente vinculado às condições financeiras de cada qual e, financeiramente falando, podemos dizer que nosso sistema econômico, nacional ou internacional, é de natureza ou de índole Holocáustica, Apocaliptica e Barbarea. O mundo - isso aqui é mera utopia, sonho poético, delírio romântico, bem que poderia ser para a Humanidade essa espécie de "cantinho de amor" como a alma do saudoso Tom musicou para nós. Mas, que pena, talvez nem mesmo muitas das residências de muitos políticos e importantes autoridades, e até mesmo de grandes líderes ou Estadistas mundiais não seja esse cantinho gostoso e saudável de amor, e, porventura sendo assim, podemos dizer que o mundo caminha para uma grande merda, uma profunda desordem, uma espécie de decadência ética e aberrações psíquicas que colocará toda a terra como objeto de múltiplas e ameaças inesperadas. Se, porventura, os grandes líderes políticos ou ditos Estadistas fossem homens dotados de uma alma esteticamente eclética estaríamos a salvos dos supostos horrores, mas, infelizmente, eles são apenas e somente políticos ("p" mínusculo), que fizeram apenas e somente uma Faculdade, geralmente a de Direito, fizeram uma pós-graduação ou algum mestrado na área e foram enfentar o mercado, mas que, por uma razão ou por outra, aderiram à política (política com "p" minúsculo) e... o resto a gente sabe: chegaram ao poder. Apontem-me um político qualquer, de qualquer país do mundo, que tenha um espírito renascentisticamente ilustrado, capaz de, por exemplo, saber fazer poesia, crônica, contos, roteiros dramatúrgicos, cinematográficos, que saiba pintar, tocar algum instrumento, compor alguma coisa e que tenha, em suas mansões, uma suposta biblioteca humanística, vasta e diversificada. Aqui está uma outra grande desgraça e que não nos atinamos: o mundo parece ser politicamente mal geridos e a Humanidade mal representada. Jobim, obrigado pelo seu "cantinho". Está, saudoso MAESTRO, numa dimensão maior, tudo muito bem explicado.

   Guina

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

FACULDADE SIM; OBRIGATORIEDADE, UM ABSURDO!

    

    









        


        A Lei – independentemente de ser seu enunciado um dispositivo constitucional ou infraconstitucional, pode guardar, no seu bojo ideológico, um caráter de fascismo formal, por trazer, dentro de si e no âmbito do seu enunciado, traço ou resquício de ditatoriedade, arbitrariedade, arrogância e prepotência justificada por um formalismo vazio, ilógico e, teleologicamente, anacrônico, por ferir certos princípios da liberdade humana, este que fora, no passado, um dos pressupostos mais defendidos pela burguesia então ascendente, nos idos do século XIX, quando recorreu ao discurso da ordem para derrubar o Estado Absolutista e implantar o chamado Estado Constitucional, e para isso recorreu às armas juntamente com a ajuda atônita e atordoada das massas pobres do campo e das cidades que lutaram por um ideal social sem saber as reais intenções políticas do mesmo, fato histórico que passou a ser posteriormente chamado de Revolução: estamos nos referido à Revolução Francesa.
            Sou, particularmente falando – e aí concordo com os ensinamentos do filósofo grego Aristóteles, quanto a sua louvável afirmação de que “todo homem é um animal social e político”, uma pessoa que também demonstra interesse pelas questões políticas, sem, contudo, ser um apreciador da politicagem medíocre como da política partidária, nisso me aproximo mais dos que apreciam a política levando-se em consideração mais as questões em si do que as ideologias dos partidos políticos. Considero-me, portanto, como um animal político sem me deixar ser levado pelo partidarismo, porque gosto muito mais de pensar à Política, como ciência voltada para o homem, indistintamente, do que pertencer ao mundo circunscrito de algum programa partidário.
           Quando, por exemplo, a Constituição Brasileira, no capítulo denominado “Dos Direitos Políticos”, no seu artigo 14, parágrafo primeiro, inciso I, diz que o voto é obrigatório para os maiores de dezoito anos, ela assim o faz de uma maneira muito perversa para com as pessoas, talvez principalmente com relação aqueles que são possuidores de um censo crítico mais aguçado e donos de um espírito mais livre, além do fato de tal dispositivo constitucional afrontar um dos aspectos da liberdade humana com relação ao sufrágio universal (eleições). Trata-se de uma norma perversa porque obriga, sob pena de certas reprimendas jurídicas, o cidadão a sair de sua casa ou de seus afazeres pessoais para votar nesse ou naquele cidadão, ou, então, anular seu voto ou justifica-lo, caso ele não se encontre, no dia das eleições, na sua comarca eleitoral.
           Além do mais, aquele dispositivo constitucional é cego (arbitrário) com relação àquelas pessoas que, por uma razão ou por outra, prefere muito mais o envolvimento com as questões políticas apartidárias ou transpartidárias do que se envolver com as ideologias dos partidos políticos. A obrigatoriedade de votar é, em si, uma excrescência, uma anomalia, uma aberração do ordenamento jurídico brasileiro, constante na sua Carta Magna, porque, além de ser um contra-censo ao espírito da Democracia, parece que esse dispositivo trás, intrinsecamente falando, as aberrações culturais e históricas de um Brasil dos tempos do Império, da época da escravidão. O ato de votar não pode ser uma obrigação, mas devendo sê-lo uma faculdade a todo e qualquer cidadão. Tudo bem que a Corte Constitucional Brasileira ao se reunir pela primeira vez na forma de uma Assembléia Constituinte e formando, com isso, o chamado Poder Constituinte Originário, quando promulgaram a Constituição Federal sabia,obviamente, que, se, porventura, determinasse, constitucionalmente falando, que o voto fosse facultativo, o Brasil passaria a ser um país objeto de piadas perante a opinião mundial, já que o número de pessoas que iriam se abster a votar seria escandalosamente grande, quase que a totalidade do número de eleitores. Talvez por isso é que o voto tornou-se obrigatório, e não facultativo: o povo brasileiro, na sua grande expressão, não sabe nem o que é Política nem para que serve; afinal, ainda somos uma sociedade marcada à ferro e fogo, onde a pobreza, a ignorância, a miséria e o analfabetismo reinam como nos tempos recuados da Colônia e do Império, isso independentemente da fama que o presidente atual, Luis Inácio Lula da Silva, goza perante a opinião pública mundial.
           Ainda com relação a minha pessoa, aprecio mais as idéias políticas e os movimentos sociais do que os discursos partidários proferido por esse ou aquele político atordoado e anestesiado ao programa do seu partido. Odeio me ver submetido a qualquer ideologia, seja proferida por algum partido político ou por alguma denominação religiosa. Meu espírito é mais herético do que escravo a esse ou aquele sistema fechado de pensamento, seja em que campo o for. Agora vou dizer porque aquele dispositivo da Constituição Brasileira é um resquício do fascismo formal, ideologicamente falando, ou, então, um desdobramento dos efeitos da mentalidade colonialista ou imperial do passado histórico da nossa sociedade, vamos à explicação:
           Saí, a alguns dias atrás, do meu chamado “domicílio eleitoral” para fazer um documentário numa outra cidade, onde a civilização degenerada e imoral, bárbara e libertina ainda não chegaram até lá para aviltar e humilhar o homem, transtorna-lo e arranca-lo a paz de viver e contemplar o encanto da vida. Mas que, infelizmente, tive que abandonar meu trabalho, que o amo muito, tive que deixar aquele convívio social bonito, que aprecio bastante, para, simplesmente, ter que votar. Mesmo que eu quisesse não votar, ou seja, retornar à minha zona eleitora, poderia, evidentemente, justificar o fato, ou seja, o motivo de não ter votado, mas mesmo assim eu teria que me paralisar minhas atividades e me submeter a algum cartório eleitoral ou a alguma agência de correios de alguma cidade mais próxima da que eu me encontrava para me justificar ou, então, justificar-me posteriormente no meu próprio domicílio eleitora, isso dentro de certo prazo (60 dias após o pleito eleitoral). Ora, isso é, democraticamente falando, um absurdo!
           Pois bem, voltei para o tal do meu “domicílio eleitoral” para votar no dia das eleições, mas, como meu título (segunda via) se encontrava no TRE – Tribunal Regional Eleitoral, então tive que me dirigir até lá e me submeter a uma fila imensa e humilhante, com as pessoas expostas ao sol, sem ter se alimentado, com sede; Enfim, vi, diante dos meus olhos, um quadro humano revoltante e indigno: tudo isso porque existe uma aberração na Constituição Brasileira determinando que o voto é obrigatório para os maiores de dezoito anos. Bolas: eu poderia estar muito bem fazendo aquilo que amo e gosto do que simplesmente ter que abandonar essa minha paixão, que é filmar, para simplesmente votar, o-bri-ga-to-ri-a-men-te, como se todo mundo tivesse que acreditar nos Modelos de Democracias atuais, já completamente apodrecidas em seus princípios, nas suas instituições e com seus ordenamentos jurídicos perversos e injustos, porque provindos, na maioria dos casos, por Constituintes medíocres e despreparados, venais e inclinados á corrupção, além de influenciados e manipulados por aqueles que detêm o poder econômico.
           Porra! Eu poderia muito bem estar onde eu estava e queria estar, fazendo o que eu estava fazendo, sem ter que passar por esse constrangimento intelectual que passei, e ainda terei que passar, pois que vou às urnas contra a minha livre vontade.

          Guina
          

ALQUIMIA



Se a tua alma fundir na minha alma
e a minha se der por fundida na tua
a tua vai se dar como parte da minha
- minha alma será como se fosse a tua

Nós seremos dentro dessa doçura, um
e a dor ou o prazer que percorrer em ti
será sentido o mesmo dentro de mim
porque seremos um o que sobrou de nós

Se deres tu a tua alma dando-se assim
eu a ti serei dado de forma identica a ti
- Nós a nós mesmos teremos como um!

Então o meu corpo se fundirá ao teu...
como também o teu ao meu será fundido
e nós seremos perdidos dentro de um só.

Guina

O FANTASMA DA VOZ




- “Queria brincar de bicho contigo no mato” – dizia uma voz estranha, forte, pelo telefone.
            Essa história de “bicho” começou quando uma empresa de telefonia instalou naquela cidadezinha os serviços de telefone fixo residencial: celular era coisa do outro mundo.
            A queixa de Marlene sobre tais telefonemas passou a ser motivo de riso e chacotas entre ela e sua vizinha, Anália, sempre quando uma ia à casa da outra.
            - A cidade virou uma onde de trotes descarados, vizinha – Dizia Anália para sua vizinha.
            Mesmo Anália levando as coisas na brincadeira, o fato é que a situação ganhou um vulto de seriedade na vida de Marlene, que pensou até em fazer uma viagem para a cidade grande e comprar um “identificador de chamada”, como lhe orientou, certa vez, uma de suas amigas.
            Sempre que pensava em fazer isso, não sabia o que ia dizer para Joaldo, com quem tem uma vida a dois há mais de cinco anos. Desconfiado de tudo e ciumento como, era nunca e nada iria acreditar que não fosse algum tipo que ela mesma deu “bola” e o telefone.
            Como não tinha coragem para fazer a tal viagem e comprar o tal aparelho, acabou lhe passando pela cabeça a idéia de gravar aquela voz desconhecida e ver se poderia ser identificada à medida que fosse ouvindo.
            - Menina – dizia ela, por telefone, a sua amiga. – É voz de homem, uma voz forte, rouca e com certeza é alguém que eu nunca vi na minha vida.
            A estranha voz depois de gravada passou a ser cuidadosamente analisada em momentos e horários diferentes, principalmente quando não tinha ninguém em casa. Gravou várias vezes aquela voz e que dizia apenas “Queria brincar de bicho contigo no mato” e, depois, vinha o silêncio.
            As táticas de Marlene para saber quem era foi, todas às vezes, inútil: A voz ouvia e ouvia Marlene, mas nada falava. Suas queixas, por outro lado, à vizinha, desapareceram: nunca mais quis tratar disso.
            Um dia Marlene acordou esquisita e nervosa depois que levou boa parte do dia anterior tentando querer, a todo custo, identificar aquela voz, e depois passou a querer imaginar quem era essa pessoa, como era, porque se procedia dessa forma, etc.
            O telefone tocou.
            - “Queria brincar de bicho contigo no mato” – era a voz, mais forte e mais rouca.
            As pernas de Marlene tremiam.
            - Olha, por favor, quem é?
            O homem não se identificou. Marlene insistiu. Conversaram mais de meia hora e, depois de certa insistência, concordou de conhecer o tal homem da voz estranha.
            - Vou desvendar esse mistério – disse a si mesma depois que desligou o telefone. E, no dia combinado, dirigiu-se ao local acertado: ele a aguardava na casa de D. Vaná, uma senhora muito conhecida de Marlene.
            - Não lhe conheço – disse ela, rindo, quando chegou à casa da velha.
            Os dois conversavam na sala, enquanto D. Vaná foi fazer um café para eles. Tomaram o café, despediram-se da velha e acabou aceitando a carona dele, num carro velho, até uma ruazinha que ficava próxima a casa dela. Quando parou o carro e foram se despedir, eles se olharam, mutuamente, dentro dos olhos do outro.
            - Queria brincar de bicho contigo no mato – disse Marlene, toda dengosa, agora reconhecendo aquele homem, fazendo menção, com os lábios, a uma estrada de puro mato que dava para o outro lado da cidade, enquanto deixava suas pernas entreabertas sinalizando todas as possibilidades de um amor forte e intenso.
           
            Guina

AMOR DE LUZ E FOGO



       Pulou repentinamente do sofá e correu até o quarto. Retirou do guarda-roupa uma apequenina louça e retirou uma corrente fina de ouro e prendeu-a numa das mãos, bem fechada. Deitou-se escorrida sobre o sofá e a pôs entre os seios. Sentiu o frio gelado do metal cortando-lhe a alma e suspirou. Olhou aereamente o teto da casa. Um filete de lágrima foi se formando em seus olhos. Fechou-os e suspirou fundo, como se a alma lhe saísse para fora. Ficou assim por longo tempo: estirada, olhos fechados, respiração entrecortada entre suspiros e acabou sendo tomada lentamente por um sono profundo.
     - Se você me deixar eu me mato - dizia Julia a Eduardo, no meio de uma noite dominada por um temporal monstruoso, entre trovões e relâmpagos.
    Os dois tinham se perdido do mundo quando resolveram pescar num pequeno barco alugado.
    - Eu não queria vir - gritava ele enxarcado da chuva, enquanto lutava contra um matagal fechado fechado.
    - Você é um bruto - dizia ela, chorando, tremendo de frio, as vestes molhadas, grudadas à pele.
 Os dois brigavam mata a dentro, perdidos. Quando algum barulho estranho surgia à frente, um corria para junto do outro, como duas crianças assustadas. Ficavam quietos e em silêncio por por tempo, até tomarem um pouco de coragem e seguir em frente, debaixo de um temporal que não parava, com trovões e relâmpagos assustadores.
   - Achei! - disse Eduardo. Era uma gruta encravada entre rochas, escura, mas acabou sendo o melhor lugar para se sentirem protegidos do mundo de água que se desabava lá fora.Os trovões e os relâmpagos estavam cessando: vez em quando um estrondo desabava do alto ou um risco de luz saía cortando os céus. Na gruta era como se fosse noite, tamanha era a escuridão.
   - É melhor torcer a roupa, senão é pneumonia certa - disse Flávia, recolhendo-lhe numa das saliências da gruta.
   - Concordo.
   Ali mesmo onde estava Eduardo torcia sua roupa, peça por peça. A escuridão aumentou e os dois passaram a se procurar tateando feito cegos e chamando-os, reciprocamente, baixinho em razão do medo do lugar e da possibilidade de ter algum bicho por perto, ou na gruta.
   A medida que um procurava o outro, falando palavras baixinhas, todo o interior da gruta fora iluminado numa fração de segundos, até enquanto um raio saiu riscando o céu fazendo zigue zague: aquela foi a primeira vez que Eduardo viu Julia nua, e vice-versa. Nunca mais eles veriam nudez alguma como aquela: iluminada, misteriosamente iluminada. Os dois como se vestidos de luz, cobertos de fogo. O curto tempo de luz que saiu cortando o céu foi o suficiente para que eles se vissem e, vendo-os como nunca mais se viriam, correram, mutuamente, um para o outro, com um sentimento de amor em plena fusão como se eles fossem o verdadeiro milagre do amor muito para além da imaginação de qualquer amante sobre a terra.
   Ali mesmo, sem que se possa explicar ou conceituar, os dois se derramaram e se desaguaram, um sobre o outro, todos os encantos, sabores e forças do amor: Julia tinha a sensação que evaporava, de tanto gozo; enquanto Eduardo parecia estar se desmanchando em sonhos, enquanto se derramava entre areias e gramíneas do lugar.
   - Se você me deixar eu me mato - disse Julia, assustada, ao ouvir o barulho da porta.
   - Que história é essa de se matar - Era Eduardo indagando: tinha chegando do trabalho.
   - Estava sonhando, meu amor.
   - Com morte?
   - Que morte nada meu amor. Adormeci no sofá e acabei sonhando aquela nossa primeira vez, naquela gruta, no meio de tanta chuva, relâmpago e trovões, lembra? - levantou a corrente fina de ouro, dele, e mostrou-a.
   - Se você me deixar eu me mato - disse Eduardo, rindo, levando-a pelos braços, para cama, cobrindo-a de beijos e afagos.

  Guina

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

VIAGEM



                (Soneto a Isa GT)

acaso fosse escrever um poema agora
não o faria, salvo, evidentemente
se eu dissesse que há um mar imenso
que nos separa como um fim do mundo

e mesmo que as palavras ganhem asas
e em voos metálicos cheguem até a ti
ainda assim haveria o mesmo mar, real
separando tuas mãos das minhas...

e conversar, passear, querer ver o mar
nunca se pode quando não há lugar
o mesmo lugar para dois conversarem...

acaso uma felicidade me arrebatasse
tão súbita quanto um canto de chegada
voaria sobre essas águas para te abraçar.

Guina

VIAGEM



 Estou de viagem, por cinco dias: vou filmar um pequeno documentário numa cidadezinha. Como onde estarei a tecnologia ainda é muito primária, então não terei condição de postar absolutamente nada, salvo se eu me dirigir até uma cidade mais próxima, o que não saberei dizer se irei ou não - talvez bem mais provável fazer esse "sacrifício" de ir,  já que externar o que vejo e sinto, observo e analiso para que seja compartilhado com as demais pessoas, assim como eram as ceias públicas e sigilosas vividas e participadas por Cristo, é para mim o paladar do cotidiano que mais aprecio e saboreio. De qualquer forma, deixo no silêncio desses dias meu abraço natural e meu carinho fraterno. Sim, nada me dá mais alegria do que pedalar bicicleta.

Guina

MÁXIMAS

"O HOMEM PODE ATÉ PULAR PARA O PRECIPÍCIO, MAS TODO POVO DEVE SABER ONDE QUER CHEGAR"
            Guina

AFLIÇÃO



Deixa-me morrer em teus braços
em tua cruz de perdão ser pregado
Deixa-me em teus braços guardado
Como anjo, ladrão, como escravo

Deixa em teus lábios um ar de riso
o olhar sereno de distância calado
Que me quero em teus braços dado
sob a luz dos teus olhos esvaídos

Deixa que eu morra dessas mortes
Que tenho sede de deixar sobre ti
Minha carne cansada e derramada

Deixa um suspiro fluir no teu peito
E um afã noutro seio: o esquerdo!
que ouvindo teu coração, morrerei.

Guina

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A MISÉRIA DA ARTE DESPEDAÇADA




     Muito se tem dito sobre a época atual, essencialmente com relação à economia, à política e à violência. Detecta-se, por sua vez, uma constatação catastrófica - senão imoral, naquelas áreas, isso por força e constatação dos fatos: a miséria humana em escala ascendente, a política descendo os degraus da mediocridade e a economia assumindo sua face verdadeiramente desumana. Também, paralelo a tal situação, embora com menor preoculpação à essa outra questão ou, possivelmente, devido a pouca bagagem culturalmente eclética por parte de nossos intelectuais, podemos dizer que existe uma palpérrima produção literária com relação a uma crítica contudente a figura do Estado, como ente responsável pelas questões essenciais para a qual ele fora historicamente criado, mesmo nossos olhos estando testemunhando sua falência institucional, sua desmoralização funcional e seu descrédito quanto ao seu fundamental e imprescindível papel, que é a manutenção da ordem social e a realização dos anseios da coletividade.
    Dentro desse triste quadro existe, ainda, um outro, também lamentável, e que o mundo, ainda, não parou para analisar e que representa a Alma da Humanidade. Refiro-me ao mundo da estética como veículo expressivo da alma humana. Nesse particular podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que a Arte está morrendo, ela como símbolo altaneiro e voltado para o aperfeiçoamento moral do homem e para a defesa das transformações sociais, políticas e econômicas importantes, como essa é a finalidade da verdadeira arte e o verdadeiro ofício do artista. Está, por razões diversas, desaparecendo o espírito dessa forma de Arte e surgindo as manifestações mais decadentes de uma pseudo-arte, no mundo da literatura, da pintura, da dramaturgia, da música e do cinema. E esse paradoxo traz, para a sociedade, os efeitos mais drásticos e nafásticos possíveis, porque se trata de uma espécie de criação da mais baixa ordem moral possível e que se alastra pela sociedade, graças a forma pela qual um pequeno grupo, no mundo inteiro, se aproveita do poder de domínio que exerce sobre os veículos de comunicação de massa, graças aos contratos de concessão feitos junto aos Estados - degradados e irresponsáveis do seu legítimo papel, diga-se de passagem, espalhando o comportamento hedonista e, com isso, libertinando as massas com o intuito de aliená-las do seu papel importante com relação às questões políticas e econômicas de sua época.
    Por outro lado, podemos dizer também que o fim da Arte também implica, por consequência, o desaparecimento do Artista, este como dono e possuidor de um espírito letrado, eclético e capaz de fazer com que seus admiradores ou seguidores reflitam criticamente o tempo e o espírito de sua época. Esse artista está desaparecendo por várias razões e, dentre algumas mais importante, podemos citar o pouco preparo intelectual, a falta de grandes e importantes leituras e uma preoculpação maior em obter cada vez maiores lucros em detrimento da qualidade de sua obra produzida. Os intelectuais e artistas verdadeiros estão com os dias contados, porque eles não serão tão facilmente substituídos quando desaparecem, o que implica em dizer que à medida que o tempo passa as formas de artes tornar-se-ão escrementos feitos por imbecis, tolos ou medíocres. E isso vale e prevalecerá na música e no teatro, na literatura, no cinema e na pintura.
   Quando, pois, a Arte já não é mais Arte, como estamos acompanhando esse processo em nosso mundo atual, torna-se fácil dizer, mas com profudo lamento, que estamos morrendo por dentro e correndo o grave risco da sociedade moderna se desagregar pelas forças descontroladas e desequilibradas da imoralidade, da violência, da criminalidade e formas outras mais comprometedora da paz mundial, assim como a História nos tem revelado noutras épocas passadas.

Guina
   

PRIMEIRA PARÁBOLA: E AGORA, JOSÉ?

   

   Perplexo, entre o sentimento de admiração e indignação, o homem contemplava o imenso Templo construído. Ele que era era uma espécie de "José" do poema Carlos Drummond de Andrade, embora não o soubesse disso, pois que se tratava de um réles maltrapilho, abandonado no mundo e, figurativamente falando, pisoteado por toda a Humanidade, com seus valores de Liberdade, Progresso e Fraternidade, teve, num instantâneo, a vontade furiosa e satisfatória de arrancar sua própria vida, da pior maneira possível. Era plena madrugada. O Templo, do alto do seu gigantismo, estava com todas as suas mil portas e janelões fechados, indiferente à fome, à sede, ao frio e ao sofrimento daquele homem, sem nome, sem norte, sem amanhã, sem futuro... sem nada.
    O homem ficou olhando aquele Templo, com sua imponência, majestoso e brilhando de cima abaixo como se fosse uma gigantesca mongtanha de ouro. Admirava e ao mesmo tempo se indignava, toda vez que se comparava com aquele tesouro em sua frente: o sentimento esquisito de ser pior que um rato, uma barata ou um cão vinha-lhe de imediato. E talvez assim fosse visto pelos transeuntes, ao vê-lo alí, no chão, maltrapilho e esfomeado.  Desde quando o Dinossauro fora construído que nunca chegou a vê-lo por dentro, o que o fazia imaginar que pela grandeza colossal, o luxo e o requinte dos detalhes era como se fosse a miniatura do céu ou, então, um dos aposentos da casa de Deus.
   Seu sentimento de revolta era cego porque talvez não soubesse como explicá-lo a si mesmo. Sentia algo amargo, tremores pelo queixo e um nó na gargante toda vez que se jogava no chão, entre papelões e jornais velhos para dormir. Do chão, tinha a sensação que as luzes lá do alto do Templo, pareciam estar lhe vigiando, prestes a a soltar do seu interior uma infinidade de bichos para lhe devorar vivo. Os pesadelos constantes que costumava ter atribuia ao Templo, como se lhe estivesse amaldiçoando, atirando-lhe pragas ou lançar sua alma nas profundezas do inferno, mas não saía dali, não arredava o passo das proximidades daquele Gigante, enquanto não recebesse o que lhe era de direito, segundo as leis dos homens. Sim, o miserável foi um, além de mais de não sei quantos outros, que formou uma grande mão de obra e trabalhou de sol a sol feito escravo da antiguidade, e acabou não recebendo todo o dinheiro que lhe haviam prometido.
    - Daqui não saio! - dizia ele, para si mesmo, batendo a mão fechada contra seu peito. - Você vai ter que me pagar! - bradava contra o Templo, firmemente. Quando a noite caía e as inumeráveis portas ficavam fechadas costumava ele, como que possuído pela loucura ou pela revolta, a xingar bater, esmurrar as paredes, portas e janelões do Templo. Nessas noites não dormia, atormentado pelos sentimentos mais misturados possíveis, principalmente quando lhe vinha a cabeça o fato de nunca ter entrado naquele Templo, depois de construído: seu desejo era sempre proibido por mais de uma centena de homens que vigiavam o Templo. Sentia-se, nessas horas, como o mais baixo dos seres vivos da escala zoológica decrescente: era tangido como um animal asqueroso.
     Um dia, possuído mais pela revolta que pelo sentimento de admiração, seus olhos se transformaram e adquiriram o brilho esquisito dos que perdem o senso e os limites e resolveu, como se fosse algum golias,  desafiar aquele Templo, que era um milhão de vezes maior que ele, bilhões de vezes mais forte que ele e todo cercado por um sistema altamente sofisticado de circuito interno de gravação, coisa que era do seu total desconhecimento. Achava, na sua santa ingenuidade, que bastava atravessar algum daqueles jardins e bater em qualquer uma daquelas centenas de centenas de portas fechadas para que fosse atendido, e seu dinheiro pago.
      - Ladrão! - disse uma voz metalizada que se espalhou instantaneamente por todo o interior do Templo e espalhou-se, através de centenas e mais centenas de micro caixas de som subterraneas. Imediatamente uma legião de homens fardados e armados surgiram em todos os espaços externos do Templo e imediatamente dominaram aquele pobre homem com socos e pontapés. Completamente imobilizado sobre o chão, o homem gritava e pedia socorro, enquanto um daqueles homens fardados se comunicava com uma viatura para prendê-lo. E levaram-no algemado, com as mãos para trás e o rosto ensanguentado.

     Guina

PENSAMENTANDO





Eis que nem tudo ainda fora dito
pois que tudo ficou refeito e igual
e assim como se erguem Templos
há uma Humanidade rastejante...

Ainda crescem falácias e mentiras
como o cranco rasgando a carne
e se porventura há belos discursos
ainda nos matamos com palavras

nem tudo fora dito ainda; eis que
por todo o canto reina maldades
pela má Lei e pelos Estados maus

Ainda o pão é motivo de guerras
E as guerras a razão das Nações
Criando aos homens as misérias.

Guina

ÁLIBI



Pequei, Senhor, e Tu bem O sabes!
Ah, mas pecado nenhum em mim há!
Pequei, sim, mas se assim O quiseres
Pecado o fiz porque por ser de carne

E se me destes um espírito retilíneo
Juntos, ele e a carne, fizeram a alma
Esse complicado arco de impulsos
Que me faz ora santo e ora escravo

Pequei, Senhor, e Tu bem O sabes!
E toda vez que contra Ti pecava
Contra mim mesmo delatava a alma

Porém, se pequei, também acertei
Agora, eis-me aqui, tua vil criação
Aos retalhos, pelo bem e pelo mal. 

Guina

HOMEM


                  I

Antes do mundo era o verbo
e o verbo estava com Deus
e com o verbo Deus tudo fez:
"Haja Luz. E houve luz"...

No princípio nada existia
e o verbo pede complemento
quer objeto, quer predicado
e tudo pela vontade se fez

Sendo o homem carne feita
que do verbo fora inspirado
Dentro do homem há Deus...

No homem e dentro dele
tudo é verbo e tudo é Deus
e vaidade é tudo fora dele.

             II

Mas eis que vaidade é boa
porque o é doce como vinho 
e toda carne embriagada 
põe no gozo o riso da alma

É bela a luz de toda alma
que se faz mais iluminada  
quanto mais ela se derrama
no viço da carne gozada... 

Nem o absoluto da alma 
ou o reinado puro da carne
mas seu balé alternado...

Goza... goza carne severa!
Goza... goza alma estúpida!
Cai céus! abra-se inferno!

Guina

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

AMOR

A morte verdadeiramente viva é o amor
esse vulcão que assombra e atormenta
e feito um raio salta sobre os pedestais
de qualquer promessa feita num alatar

E pouco imporata se deixou para trás
ouro, palácios e promessas levantadas
e se no romper de uma aurora qualquer
esse amor se disfezer por outro maior...

Amor é esse doce sabor de morte veloz
correndo contra o tempo caindo atroz
a nos devorar pela carne e pelos dentes

Amor é isso, criando espanto nos olhos
é a vida na morte com sua doce hora...
rompendo tudo e todos pelo seu gozo só.

Guina

ALTITUDES


gosto do homem que se apaixona...
da paixão fazendo sua sina e retina
do homem que vive sob as crenças
e leva nas veias somente a paixão

o homem que é só paixão, bendito!
indiferente aos Palácios e Castelos
aquele que passa por tudo e percebe
que tudo isso são cruzes e espadas

gosto desse homem de paixão única
da paixão que é só visceral e egoísta
e vive desprezando qualquer verdade

o homem que ri embriagado de si
e livre de qualquer deus ou diabos
vivendo sua paixão acima de tudo.

Guina

SONETO NÚ




O amor me deu uma fome de cavalo no cio
como uma fúria de comer a própria lingua
pois era muito mais que palavra na poesia
num incontrolável mundo de carne e veias

Um amor assim tão forte quanto estúpido
de ficar teso e duro por dentro e por fora
com a mesma força de um cavalo trotando
esse amor cego à rima, e a fé e a religião

Tão solto e sadio e bravio dentro do corpo
como um revolto quebrando seus leitos...
puro derrame, puro fogo, pura tremulação

Esse amor cego de fome e na fome solto
movendo-se entre os céus e pelos infernos
morrendo de tanto prazer e o gozo puro. 

Guina

HAJA LUZ!




    O verbo é o início, o meio e a continuidade de tudo. É o motor vivo e o espírito da História humana e por sê-lo semioticamente dinâmico e dialético, única força movedora e removedora das coisas e formadoras e transformadoras das formas e idéias, ele é o deus e o demônio intrínseco às estruturas culturais criadas pelos milênios de anos afora pelos homens e, volátil feito uma mola, é ele a ferramenta primaz e única capaz de retroceder ou retroceder os sistemas econômicos, políticos, culturaís, estéticos, religiosos e jurídicos de toda e qualquer forma de ordem criada pelo próprio homem. É o verbo, pois, muito mais assustador e perigoso que as construções técnicas conquistadas pelo homem porque nele se encerram todas as coisas e dele pode nascer todas as outras. Na gênesis, é o verbo o princípio motriz e matriz criadora de todas as coisas, e o verbo estava com Deus e Deus era o verbo: eis que no íntimo do próprio verbo está Deus, com todas as suas forças e possibilidades oceânicas e que tal força e poder fora, fantasmagoricamente, transportado ou incorporado aos homens, conforme a força e o caráter de cada espírito sobre a terra. "E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: "HAJA luz. E HOUVE luz". É portanto, o Espírito de Deus movendo o Verbo que faz com que as coisas tomem idéias e as idéias tomem formas e as formas tomem vida. É, pois, então, o Espírito do Homem intimidado com o Verbo e os verbos, plenamente liberto das ideias, formas e vida que os homens menores constróem com a mera finalidade para que poucos sejam aqueles que façam parte da grande ceia do progresso histórico e da revolução dos benefícios das técnicas e da estética que faz com que os horizontes sejam revistos com a plenitude da lógica e da coerência mais humana e humanamente possível, fazendo com que novos horizontes possam se abrir sobre o lodaçal da História que há milênios vem sendo feita pelos que manipulam o verbo construíndo sistemas simbólicos mesquinhos e perversos, hipócritas e falsos, simplesmente como que para atender apenas e exclusivamente a vaidade e ao ego dos que, bio-psico-organicamente estão muito mais presos às forças do mal do que do bem. Cabe ao poeta, então, esse ser que transcende aos entes, âs formas, ideias, símbolos, arquétipos e instituições para revelar, a todos, o VERBO NÚ, capaz de fazer surgir novamente a luz e afastar as trevas, como fora no princípio, com Deus, pois o verbo é muito mais o que pré-diz, pós-diz, ante-diz e trans-diz.

Guina