quinta-feira, 16 de setembro de 2010

PRIMEIRA PARÁBOLA: E AGORA, JOSÉ?

   

   Perplexo, entre o sentimento de admiração e indignação, o homem contemplava o imenso Templo construído. Ele que era era uma espécie de "José" do poema Carlos Drummond de Andrade, embora não o soubesse disso, pois que se tratava de um réles maltrapilho, abandonado no mundo e, figurativamente falando, pisoteado por toda a Humanidade, com seus valores de Liberdade, Progresso e Fraternidade, teve, num instantâneo, a vontade furiosa e satisfatória de arrancar sua própria vida, da pior maneira possível. Era plena madrugada. O Templo, do alto do seu gigantismo, estava com todas as suas mil portas e janelões fechados, indiferente à fome, à sede, ao frio e ao sofrimento daquele homem, sem nome, sem norte, sem amanhã, sem futuro... sem nada.
    O homem ficou olhando aquele Templo, com sua imponência, majestoso e brilhando de cima abaixo como se fosse uma gigantesca mongtanha de ouro. Admirava e ao mesmo tempo se indignava, toda vez que se comparava com aquele tesouro em sua frente: o sentimento esquisito de ser pior que um rato, uma barata ou um cão vinha-lhe de imediato. E talvez assim fosse visto pelos transeuntes, ao vê-lo alí, no chão, maltrapilho e esfomeado.  Desde quando o Dinossauro fora construído que nunca chegou a vê-lo por dentro, o que o fazia imaginar que pela grandeza colossal, o luxo e o requinte dos detalhes era como se fosse a miniatura do céu ou, então, um dos aposentos da casa de Deus.
   Seu sentimento de revolta era cego porque talvez não soubesse como explicá-lo a si mesmo. Sentia algo amargo, tremores pelo queixo e um nó na gargante toda vez que se jogava no chão, entre papelões e jornais velhos para dormir. Do chão, tinha a sensação que as luzes lá do alto do Templo, pareciam estar lhe vigiando, prestes a a soltar do seu interior uma infinidade de bichos para lhe devorar vivo. Os pesadelos constantes que costumava ter atribuia ao Templo, como se lhe estivesse amaldiçoando, atirando-lhe pragas ou lançar sua alma nas profundezas do inferno, mas não saía dali, não arredava o passo das proximidades daquele Gigante, enquanto não recebesse o que lhe era de direito, segundo as leis dos homens. Sim, o miserável foi um, além de mais de não sei quantos outros, que formou uma grande mão de obra e trabalhou de sol a sol feito escravo da antiguidade, e acabou não recebendo todo o dinheiro que lhe haviam prometido.
    - Daqui não saio! - dizia ele, para si mesmo, batendo a mão fechada contra seu peito. - Você vai ter que me pagar! - bradava contra o Templo, firmemente. Quando a noite caía e as inumeráveis portas ficavam fechadas costumava ele, como que possuído pela loucura ou pela revolta, a xingar bater, esmurrar as paredes, portas e janelões do Templo. Nessas noites não dormia, atormentado pelos sentimentos mais misturados possíveis, principalmente quando lhe vinha a cabeça o fato de nunca ter entrado naquele Templo, depois de construído: seu desejo era sempre proibido por mais de uma centena de homens que vigiavam o Templo. Sentia-se, nessas horas, como o mais baixo dos seres vivos da escala zoológica decrescente: era tangido como um animal asqueroso.
     Um dia, possuído mais pela revolta que pelo sentimento de admiração, seus olhos se transformaram e adquiriram o brilho esquisito dos que perdem o senso e os limites e resolveu, como se fosse algum golias,  desafiar aquele Templo, que era um milhão de vezes maior que ele, bilhões de vezes mais forte que ele e todo cercado por um sistema altamente sofisticado de circuito interno de gravação, coisa que era do seu total desconhecimento. Achava, na sua santa ingenuidade, que bastava atravessar algum daqueles jardins e bater em qualquer uma daquelas centenas de centenas de portas fechadas para que fosse atendido, e seu dinheiro pago.
      - Ladrão! - disse uma voz metalizada que se espalhou instantaneamente por todo o interior do Templo e espalhou-se, através de centenas e mais centenas de micro caixas de som subterraneas. Imediatamente uma legião de homens fardados e armados surgiram em todos os espaços externos do Templo e imediatamente dominaram aquele pobre homem com socos e pontapés. Completamente imobilizado sobre o chão, o homem gritava e pedia socorro, enquanto um daqueles homens fardados se comunicava com uma viatura para prendê-lo. E levaram-no algemado, com as mãos para trás e o rosto ensanguentado.

     Guina

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