quarta-feira, 29 de setembro de 2010

AMOR DE LUZ E FOGO



       Pulou repentinamente do sofá e correu até o quarto. Retirou do guarda-roupa uma apequenina louça e retirou uma corrente fina de ouro e prendeu-a numa das mãos, bem fechada. Deitou-se escorrida sobre o sofá e a pôs entre os seios. Sentiu o frio gelado do metal cortando-lhe a alma e suspirou. Olhou aereamente o teto da casa. Um filete de lágrima foi se formando em seus olhos. Fechou-os e suspirou fundo, como se a alma lhe saísse para fora. Ficou assim por longo tempo: estirada, olhos fechados, respiração entrecortada entre suspiros e acabou sendo tomada lentamente por um sono profundo.
     - Se você me deixar eu me mato - dizia Julia a Eduardo, no meio de uma noite dominada por um temporal monstruoso, entre trovões e relâmpagos.
    Os dois tinham se perdido do mundo quando resolveram pescar num pequeno barco alugado.
    - Eu não queria vir - gritava ele enxarcado da chuva, enquanto lutava contra um matagal fechado fechado.
    - Você é um bruto - dizia ela, chorando, tremendo de frio, as vestes molhadas, grudadas à pele.
 Os dois brigavam mata a dentro, perdidos. Quando algum barulho estranho surgia à frente, um corria para junto do outro, como duas crianças assustadas. Ficavam quietos e em silêncio por por tempo, até tomarem um pouco de coragem e seguir em frente, debaixo de um temporal que não parava, com trovões e relâmpagos assustadores.
   - Achei! - disse Eduardo. Era uma gruta encravada entre rochas, escura, mas acabou sendo o melhor lugar para se sentirem protegidos do mundo de água que se desabava lá fora.Os trovões e os relâmpagos estavam cessando: vez em quando um estrondo desabava do alto ou um risco de luz saía cortando os céus. Na gruta era como se fosse noite, tamanha era a escuridão.
   - É melhor torcer a roupa, senão é pneumonia certa - disse Flávia, recolhendo-lhe numa das saliências da gruta.
   - Concordo.
   Ali mesmo onde estava Eduardo torcia sua roupa, peça por peça. A escuridão aumentou e os dois passaram a se procurar tateando feito cegos e chamando-os, reciprocamente, baixinho em razão do medo do lugar e da possibilidade de ter algum bicho por perto, ou na gruta.
   A medida que um procurava o outro, falando palavras baixinhas, todo o interior da gruta fora iluminado numa fração de segundos, até enquanto um raio saiu riscando o céu fazendo zigue zague: aquela foi a primeira vez que Eduardo viu Julia nua, e vice-versa. Nunca mais eles veriam nudez alguma como aquela: iluminada, misteriosamente iluminada. Os dois como se vestidos de luz, cobertos de fogo. O curto tempo de luz que saiu cortando o céu foi o suficiente para que eles se vissem e, vendo-os como nunca mais se viriam, correram, mutuamente, um para o outro, com um sentimento de amor em plena fusão como se eles fossem o verdadeiro milagre do amor muito para além da imaginação de qualquer amante sobre a terra.
   Ali mesmo, sem que se possa explicar ou conceituar, os dois se derramaram e se desaguaram, um sobre o outro, todos os encantos, sabores e forças do amor: Julia tinha a sensação que evaporava, de tanto gozo; enquanto Eduardo parecia estar se desmanchando em sonhos, enquanto se derramava entre areias e gramíneas do lugar.
   - Se você me deixar eu me mato - disse Julia, assustada, ao ouvir o barulho da porta.
   - Que história é essa de se matar - Era Eduardo indagando: tinha chegando do trabalho.
   - Estava sonhando, meu amor.
   - Com morte?
   - Que morte nada meu amor. Adormeci no sofá e acabei sonhando aquela nossa primeira vez, naquela gruta, no meio de tanta chuva, relâmpago e trovões, lembra? - levantou a corrente fina de ouro, dele, e mostrou-a.
   - Se você me deixar eu me mato - disse Eduardo, rindo, levando-a pelos braços, para cama, cobrindo-a de beijos e afagos.

  Guina

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