segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O FIM DO HOMEM



     Quando menino, lembro-me que o maior medo com o qual tínhamos que conviver, principalmente quando íamos dormir, era com relação ao fim do mundo, ou seja, o dia em que o mundo ia se acabar. Os mais velhos - nunca me esqueci disso, diziam, naquela época, que o mundo não passaria do ano 2000. Nesse ano, segundo a maldade dos mais velhos pelos inocentes, nesse ano (2000) ninguém ficaria vivo, ninguém! 
      Como as crianças são muito imaginativas, então, quando ficávamos frente a casa de nossos avós, à noite, brincando de contar estrelas, além de dizer que São Jorge com seu cavalo moravam na lua e que a lua flutuava pelo céu porque era uma imensa bola que ficava deslizando pelas nuvens ou era pelos ventos fortes que aconteciam lá no alto, no céu, então ficávamos procurando alguma forma de nos mantermos vivos, quando o fim do mundo chegasse, e a solução melhor era justamente a de construirmos uma casa debaixo da terra para não morrermos. Ora, mais aí vinha novamente nossas imaginações - melhor seria dizer nossas contra-imaginações, e ficávamos debatendo como iríamos viver debaixo da terra sem luz, sem água, sem alimentos, etc. Então a conclusão que na época chegamos é que realmente quando o fim do mundo chegasse, em 2000, todos, indistintamente, morreriam. E isso nos deixava muito angustiado e talvez fizesse um bem muito grande aos adultos. 
     Como o fim do mundo já tinha o ano certo, faltava, porém, o dia, o mês e a hora, e isso ninguém sabia. Outra coisa que não era unânime nas previsões dos adultos daquela época, era com relação de que maneira o mundo iria se acabar. Havia, entre aqueles "trogloditas", grande confusão ou discórdia com relação à especificamente geradora. Uma coisa era comum entre todos eles: quem iria destruir o mundo seria Deus, o mesmo que um dia o construiu. Isso também nos deixava muito angustiado porque a figura de Deus que  nos havia passado, tanto pela Igreja, nos catecismos aos domingos, como pelas Escolas, nas aulas de religião, era a de um Pai bom e feito só de amor. Confesso: gostávamos de Deus, mas tínhamos também medo e raiva dele. Essa foi, talvez, a primeira e mais perturbadora neurose que os adultos podem colocar na cabecinha bonita de uma criança, e nunca vamos saber se é a partir dessa e de outras besteiras que os adultos fazem com as crianças que as criancinhas um dia ficam adultas tão ruins e perversas quanto aqueles adultos, mas não podíamos fazer nada: os adultos sempre podem tudo sobre a terra. 
      Bom, quem ia acabar o mundo já se sabia, seria Deus. Mas, é quanto a maneira de destruí-lo que os adultos mais "brigavam" entre si. Uns diziam que Deus acabaria o mundo com fogo - ai como isso maltratava e desesperava o coraçãozinho de uma criança; dormíamos, toda noite, pedindo para que Deus nunca fizesse uma maldade dessas conosco, nem com as pessoas em geral. Outros já diziam que o mundo seria destruído por água, a mando de Deus. Segundo estes, o mar subiria mais de não sei quantos metros e tomaria toda a terra. Quando diziam isso nos enchiam os olhinhos de lágrimas, porque não sabíamos nadar e ficávamos imaginando como seria doloroso morrer afogado sob o mundo de águas cobrindo a terra toda. Essa época, a do fim do mundo, foi a época que, lembro-me como hoje, foi o tempo em que dormíamos com a cabeça coberta, os olhos assustadinhos e tínhamos os primeiros pesadelos: eram sonhos horríveis.
     Hoje, porém, tudo isso acabou, graças a Deus! Mas, pensando bem, o fim do mundo não acabou e ele está previsto nos textos Bíblicos, escrito por João, no livro Apocalipse. Na verdade, não é bem  o " fim do mundo", mas o "julgamento do mundo", e que significa o dia em que Deus descerá dos céus, com todos os seus anjos, miríades e miríades de anjos, para julgar todos os homens da terra, os que na época estiverem vivos e os que já morreram, já que serão ressuscitados pela força, glória e poder de Deus para serem retamente julgados, conforme as obras de cada qual (atos, palavras, pensamentos, etc). O ano, o dia, o mês e o horário não existem no livro de João, o Apocalipse. Esta data faz parte dos segredos do Criador e nenhum vivente jamais saberá, nem mesmo os anjos dos céus sabem.
      Como o homem é um animal dotado de inteligência e curiosidade, tanto para o bem como para, então logo o homem se encarregou de dar um desdobramento nas ciências teológicas para criar uma especialidade, a Escatologia, como um ramo de estudos que pesquisam a Bíblia, especialmente o livro Apocalipse, escrito pelo apóstolo João, para saber, exatamente, qual seria o fato ou conjunto de fatos precedentes para que fosse estabelecido o fim do mundo, ou melhor, para que Deus descesse dos céus, com os anjos, para julgar os vivos e os mortos, em definitivo e eternamente. Aqui começa uma guerra no campo das especulações metafísicas ou teológicas, entre muitas correntes religiosas, principalmente entre católicos e protestantes, e isso sem falar de uma série de doutrinas religiosas que não acreditam absolutamente em nada disso, como são as que adotam os princípios da reencarnação, como as espíritas. Bom, a problemática do fim do mundo - ou do julgamento do mundo,  ainda permanece nos dias de hoje, e, talvez, causando os mesmos males nas criancinhas como causaram em nós, quando ainda ingênuos e contadores de estrelas. 
     Tudo, até hoje, sobre o fim do mundo ou o julgamento deste não passa de especulações no mundo da subjetividade e da imaginação do homem, pois nem o homem comum, nem algum pastor, padre, bispo ou papa jamais teve qualquer convicção sobre tal assunto, de natureza tão complexa e problemática, e que, por sinal, sempre foi objeto de reflexões e interpretações,  já desde as antigas civilizações, muito antes do aparecimento de Cristo sobre a terra, como, a exemplo, foram as civilizações egípcia e a grega antigas. Essa polêmica, nos dias de hoje, tem sido a mola mestra de sustentação de muitas religiões, espalhadas por muitos cantos do mundo através de seus templos religiosos, e muitas vezes maliciosamente utilizada como melhor forma de dominar a mente de seus fiéis, à custa de outros interesses, principalmente em razão do fato da razão crítica e da reflexão independente ser um privilégio de poucos e, por outro lado, a mentalidade medieval, formada pelo espírito inculto e místico, nunca ter desaparecido da terra. 
      Se, porventura, virá o fim do mundo, ou melhor dizendo, o dia em que Deus descerá dos céus com seu exército de anjos para julgar todos os homens, vivos e mortos, conforme a cadeia de atos praticados por cada qual sobre a terra e em convívio com os homens, excluindo os loucos em geral e todas as criancinhas, isso está sob o exclusivo critério de Deus, para quem nele acredita. Se, particularmente não posso prever o dia em que o Criador descerá dos céus à terra para fazer esse grande e tenebroso julgamento, posso, intuitivamente, prever, como previram aqueles adultos chatos quando eu era ainda uma criancinha que gostava de contar estrelas e dizer que São Jorge morava na lua com seu cavalo, não o ano, o mês, o dia e o horário exatos em que o homem vai se acabar sobre a terra, como talvez já esteja acontecendo isso, dentro dele, aos poucos. 
       O dia em que o homem vai se acabar sobre a terra eu o vi, como quem vê um sinal profético nos céus, quando, a uns dois meses atrás, viajando para uma cidade do interior avistei, à margem da estrada, exatamente quatro casebres praticamente caíndo aos pedaços e, pela triste aparência e estado de miséria, havia, em cada um desses infames casebres, ao lado de cada um deles, uma luxuosa antena parabólica, o que me deixou em estado de profunda assombração e, prever, como faziam normalmente os profetas do passado, e como fazem os de hoje, não o ano, mês, dia e horário em que o homem chegará ao seu fim, já que para tal escatologia cibernética, dependerá da disseminação e proliferação do mercado de vendas, distribuição e de televisores para todas as partes do mundo, todas as casas e lares da terra. Aí, quando isso acontecer - e talvez não leve muitos anos mais, o homem ganhará seu fim, num mar de águas profundas e turvas carregadas densamente de toda ordem e forma de malícia, concupicência, violência, aflição, angústia, solidão e desespero. Naqueles quatro casebre, caíndo aos pedaços, à beira do asfalto, foi que vi, não o fim do mundo, não o julgamento do mundo, mas o fim do homem.


Guina

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