segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A FERA FERIDA



     Vindo de uma família pobre e tendo experimentado as carências materiais decorrentes desse estado, sempre alimentou um sonho dentro de si: ser um dia o homem mais rico da sua cidade. Não mediu esforços, desde cedo: trocou os estudos pelo trabalho. Quando alguém lhe dizia que estava cometendo uma loucura, costumava se sair dizendo que estudos não ia lhe dar o que pretendia, mas não dizia o que.
      O mundo do trabalho dedicado e de economias juntadas acabou lhe dando uma oportunidade para abrir seu próprio negócio na cidade: uma pequena empresa responsável na realização de cerimoniais, atendendo a clientes que queriam realizar casamentos, aniversários e coisas similares. Tornou-se com isso muito conhecido, ao ponto de se tornar amigo de um jovem chamado Fernando, filho do prefeito da cidade, para quem sua pequena empresa prestara um desses seus serviços, e soube se aproveitar muito bem dessa amizade, mesmo que os meios utilizados para ele fossem repugnantes e indignos para a boa moral e os bons costumes, e não mediu esforços. 
     Quem não queria conhecer o encantado mundo da intimidade de Dolores, irmã de Jurandir, dono da humilde firma de eventos? Dolores, apesar de ter vindo de uma família pobre, a natureza lhe compensou com uma beleza de fazer cair o queixo de qualquer homem, principalmente o de Josean, filho predileto do prefeito. E este tudo fez por seu amigo no sentido de, através do pai, fazer com que sua pequena empresa de eventos crescesse. Em troca desses favores Josean abriu o jogo ao amigo: queria ser o primeiro homem da vida de sua irmã, o que, de início, deixou Jurandir meio confuso, depois se encarregou para unir os dois. 
      Dolores foi apresentada a ele, numa festinha da casa do seu pai. Ao tentar beijá-lo, influenciado pelo irmão, ela se recusou dizendo ter namorado, com quem se pretende se casar em breve. Não ter aceitado o beijo dele, recusando-o como a um qualquer, acabou ferindo o machismo dele, filho do prefeito da cidade, e levou aquele "não" como um desaforo a ser derrubado, custasse o que custasse, e no outro dia fez seus comentários ao pai, o "dono" da cidade. Dr. Geraldo sentiu as mesas dores do filho e foi incisivo dizendo que a situação ele iria resolver depois, numa conversa franca que iria ter com Jurandir. 
     Uma semana após aquela festa Jurandir teve que comparecer ao gabinete do prefeito, para tratar de assuntos pessoais e do interesse dele. No gabinete o "dono" da cidade ao recebê-lo foi franco e tocou direto no assunto: queria que sua irmã acabasse o namoro para ficar com seu filho e, em troca, abriria os caminhos promissores para ele no mundo da política, o que lhe renderia muito mais dinheiro do que sua simples firma de eventos e já com algumas dívidas com impostos municipais. Jurandir demorou um pouco para responder ao prefeito, mas quando se imaginou ser vereador na cidade, apoiado pelo prefeito e percebendo que poderia fazer do cargo eletivo um trampolim para realizar seu sonho de riqueza, metendo a mão no erário público, como era comum fazer os políticos da cidade, acabou acatando ao pedido da autoridade máxima de São Domingos do Itaporó. 
     Em casa Dolores acreditou na história sobre Fernando, seu namorado, ao comentar, pedindo segredo, que ele era isso e aquilo, o que acabou afastando ela dele aos poucos, o que acabou facilitando o encontro, às escondidas, entre ela e Josean: tudo de longe muito bem acompanhado pelo seu pai, graças as informações passadas pelo próprio Jurandir. Saber que o filho estava tendo caso com Dolores, e para cada informação dada por Jurandir a ele aquele era sempre bem beneficiado, financeiramente, a situação acabou envolvendo, também, o prefeito, que passou a adquirir boa amizade com Jurandir e propôs a dar boa soma de dinheiro se ele dormisse apenas um dia Dolores, e sem o conhecimento do filho que se tornara apaixonado por ele e com desejos de casamento. 
      Se Dr. Geraldo era o "dono" da cidade, Jurandir era o "dono" da casa, depois que seu pai falecera. Era ele quem mantinha a casa, graças ao seu pequeno estabelecimento comercial, pagando luz, água, telefone e pondo os alimentos na mesa, além de ajudar a irmã mais cobiçada da cidade, com roupas e um curso de informática. Dolores achou o fim do mundo quando seu irmão lhe segredou o desejo do seu novo patrão e padrinho de uma carreira política promissora, depois, convivendo com aquilo no juízo, em segredo absoluto, e com a proposta de um bom emprego que seria arranjado pelo prefeito para ela, acabou aceitando sob uma única condição: que fosse por uma vez apenas. 
      Quando a notícia chegou aos ouvidos de Dr. Geraldo, este não se incomodou e, no dia e hora previamente marcadas, os dois se encontraram no local pré avisado, sob os olhos de Jurandir. Quando o carro conversível tomou destino ignorado, Jurandir sentiu ódio de si mesmo e da irmã, por ela ter aceito o filho do prefeito, por ele ter acabado o namoro da irmã com quem ela amava tanto e, embriagado por esse ódio, sentiu revolta e nojo do mundo e partiu para a vingança, indo, cegamente, na casa do prefeito. 
     - É pura verdade, senhora Jacira - disse ele a mulher do prefeito. - e não é verdade que ele vai à capital resolver protocolo nenhum - finalizou, sentando-se no sofá atendendo a gentileza da primeira dama. 
     - Meu filho pretendia se casar com ela, meu Deus! - a mulher estava tomada pela perplexidade e pelo ódio, e acabou deixando um bilhete sobre a mesa explicando toda a situação ocorrida entre Dolores e Dr. Geraldo, e partiu para a capital levando Jurandir para flagrá-los no Hotel que haviam combinados. Durante toda a viagem D. Jacira parecia que ia dar um ataque de nervos no volante, enquanto Jurandir procurava acalmá-la. 
      Na capital, enquanto o prefeito esbanjava dinheiro pela cidade, como se fosse capim, ao lado de Dolores, que parecia mais uma raínha do que uma humilde mulher de uma cidadezinha do fim do mundo, a primeira dama entrava peito a dentro no Hotel a procura do número do quarto em que Dr. Geraldo se encontrava hospedado. O recepcionista, muito educado e cortês, não quis revelar, acatando e fazendo cumprir as determinações da administração do estabelecimento, obstáculo logo desfeito quando ela derramou sobre a mesa algumas notas de dinheiro, em troca da quebra das ordens da administração, e obteve facilmente o número do quarto e as chaves. 
     O quarto estava impregnado de perfume excitante por todo canto, objetos largados pelo chão, cama desfeita e a Tv que esqueceram ligada, num canal privado que passa filmes de sexo explícito. 
      - Vagabundo! - dizia a primeira dama, tremendo da cabeça aos pés. 
      - Canalha - falava Jurandir.
      - Isso é coisa? E essa não é a primeira vez, não! - comentava ela.
      - Canalha! - repetia Jurandir, enquanto colocava uma dose dupla de um whisky finamente importado no copo. 
      - Só bebendo - disse ela com ar de imponência. 
      Depois de praticamente secada a garrafa de whisky resolveu interfonar para a portaria pedindo que não informasse que ela estava ali, aguardando-o. Prontamente sua ordem fora acatada pelo recepcionista. 
      Lá pelas tantas os dois chegam abraçados, cheios de compras  e risinhos  apaixonados, pegam o elevador e, finalmente abrem o quarto. O susto é grande e a desgraça é feia: a primeira dama galopava completamente nua em cima de Jurandir que lhe segurava firmemente pela cintura.
      - Jacira! Jurandir! - Dr. Geraldo não acreditava no que via. 
      - Jurandir! - gritava Dolores.
      Nua como estava, nua ficou. E saiu de cima para se defender:
      - Prá um traidor, meu filho, uma traidora - bradava a primeira dama, nua, protegendo seu novo caso, com todo peito e coragem, enquanto Jurandir, cinicamente, pedia desculpas.

Guina

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